Plantas de diversas famílias botânicas armazenam no subsolo os valiosos nutrientes para a sua subsistência em épocas de defeso, através de raízes, rizomas, tubérculos, cormos ou simples socas. Algumas dessas plantas são tóxicas e os jornais têm relatado casos de graves intoxicações e até mortes de pessoas desprevenidas que ingerem descuidadamente raízes venenosas. Aqui, como noutras situações, deve sempre vigorar o chamado princípio da precaução. Ou seja, à mínima dúvida, rejeitar liminarmente. A título ilustrativo e sem exaustão, mencionamos a seguir, alguns exemplos de plantas com apêndices subterrâneos dotados de comestibilidade:
Solanaceae (batatas); Apiaceae (cenouras, pastinacas); Brassicaceae (nabos, macas peruanas); Liliaceae (cebolas, alhos); Chenopodiaceae (beterrabas); Asteraceae (tupinambos); Convolvulaceae (batatas-doces); Cyperaceae (chufas); Zingiberaceae (curcumas, gengibres); Typhaceae (tabuas); Onagraceae (onagras); Araliaceae (ginseng); Euphorbiaceae (mandiocas); Araceae (inhames, jarros).
Algumas delas, porém, fazem parte de famílias botânicas com componentes tóxicos, realçando-se as solanáceas, as euforbiáceas e as aráceas.
Os inhames, tal como os jarros ou serpentinas (ver no meu livro “Plantas para Curar e para Comer”), podem ser usados na alimentação mas só em determinadas condições, pois quase todas as aráceas contêm elementos tóxicos, nomeadamente cristais de oxalato de cálcio. Não obstante, depois dos tubérculos serem bem lavados e demoradamente cozinhados, os efeitos nocivos desaparecem.
Inhames, comemos pela primeira vez na ilha do Pico (Açores) quando convivemos com um simpático casal que nos recebeu afavelmente na sua casa em São Roque. A dona Deolinda, excelente cozinheira, preparou-nos pratos deliciosos onde o inhame aparecia como ingrediente central. Anos depois, na ilha de São Miguel, no decurso da visita ao fabuloso parque “Terra Nostra”, surripiei dois troços de inhame que, dias após, foram cozinhados a preceito com umas batatinhas. Recentemente, Graça Freitas, simpática aluna da Universidade Intergeracional de Benfica, levou-nos à sua propriedade em Monchique, onde surpreendentemente vicejavam inhames. Julgava este inocente cronista que tais plantas só se davam em regiões tropicais ou subtropicais e afinal, também no Algarve as havia e de excelente qualidade, como depois comprovámos.
Bem, chegou a altura de proceder à caracterização da Colocasia esculenta, conhecida popularmente como inhame dos Açores ou taro. Atenção que no Brasil o termo inhame designa outra planta valiosa, também da família das Araceae, mas cujo nome científico é Dioscorea spp.
Pois o nosso inhame (há, pelo menos, 14 variedades) é uma herbácea palustre e vivaz com rizomas tuberosos e enormes folhas verdes brilhantes, que podem atingir 70 cm de comprimento por 60 cm de largura. Pelo seu aspeto vistoso é também utilizado como planta ornamental. A inflorescência está constituída por um espadice cilíndrico envolvido por uma longa espata, tendo flores femininas em baixo e flores masculinas no topo. Elas amadurecem em tempos diferentes o que facilita a polinização cruzada efetuada por insetos. A parte subterrânea é constituída por cormos (caules subterrâneos carnudos contendo folhas escamosas) de casca espessa e rugosa, ladeados por espesso revestimento. O seu interior, de cor branca ou rosada, é farinhento, exsudando, quando cortado, uma seiva viscosa irritando a pele. A minha esposa que o diga, pois ficou um ror de tempo com as mãos avermelhadas aquando da limpeza dos inhames. Depois de oxidados eles adquirem uma tonalidade azulada.
O inhame é rico em amido, fibras, vitamina C, vitamina B6, potássio, cobre e manganés e pobre em proteínas e gorduras. Contém também ácido oxálico que praticamente desaparece após longa cozedura.
Para além de ser um excelente alimento, substituto da batata e de outros farináceos, integrando a culinária “gourmet” de vários países de climas cálidos, o inhame possui importantes propriedades medicinais: anti-inflamatória, antibacteriana, hipotensiva, diurética, energética e mineralizante.
Alguns autores referem que fortifica os gânglios linfáticos e o sistema imunológico, faz aumentar a fertilidade a atua nos casos de paludismo. Outros dizem que não deve ser consumido por doentes com gota, artrite e cálculos renais.
Reitero a recomendação: como atrás referi, todas as aráceas são tóxicas e o inhame não é exceção. Ele será pitéu, mas antes deve ficar muito bem cozido para neutralizar os terríveis ráfides de oxalato de cálcio que ferem como se fossem vidro moído.
Miguel Boieiro
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